Foi em uma das idas à ONG Dona de Leite para buscar mantimentos para as filhas que Cibele*, de 27 anos, encontrou um panfleto que chamou sua atenção. Depois de quatro anos sofrendo agressões e ameaças constantes do companheiro, aquele pedaço de papel com informações sobre o programa Mediação de Conflitos, da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp), poderia lhe ser útil, e Cibele guardou o folheto na bolsa. Semanas depois, durante um ataque, ela se lembrou do programa e telefonou para o Centro de Prevenção à Criminalidade (CPC) Ribeiro de Abreu, em Belo Horizonte. Uma ligação que salvaria sua vida.
Cibele* é apenas uma das centenas de vítimas que conseguiram romper ciclos de violência doméstica com o auxílio da política de Prevenção Social à Criminalidade desenvolvida pela Sesp. Apenas em 2018, o Mediação de Conflitos realizou cerca de 16 mil atendimentos, grande parte deles relacionados a casos de violência doméstica e intrafamiliar – de todo o público atendido, 70% são mulheres. Ao interceder de forma preventiva e também no enfrentamento à violência, o programa esclarece direitos, media conflitos e intervém na busca pela proteção da mulher que relata risco à vida.
“A comida não estar pronta já era motivo para ele me bater. E eu tinha medo de denunciar, porque ele falava que iria me matar. No dia que vivi a situação mais difícil me lembrei daquele papel e liguei para pedir ajuda”, conta Cibele*. Ao perceber que era denunciado ao telefone, o companheiro tomou o celular de sua mão e a ameaçou com uma faca no pescoço. Do outro lado da linha, a última frase que as analistas do CPC Ribeiro de Abreu ouviram foi: “Você não vai falar com ninguém, nunca mais”.
Naquele momento, a equipe acionou a rede de proteção estadual, e Cibele* conseguiu escapar com o apoio da sogra. No mesmo dia, as analistas a acompanharam até a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, onde ela registrou um boletim de ocorrência. Como havia risco iminente se voltasse para casa, Cibele* também foi encaminhada para um abrigo.
Em um cenário em que crimes como esse têm sido recorrentes, a subsecretária de Políticas de Prevenção à Criminalidade da Sesp, Andreza Gomes, ressalta que as mulheres precisam de suporte para serem informadas sobre o ciclo da violência, seus direitos, medidas protetivas e as formas de saída de relacionamentos abusivos.
“Os programas de prevenção, em especial o Mediação, dão essa possibilidade de acesso a essas informações, para que as mulheres possam se fortalecer para sair da violência”, explica Andreza.
A subsecretária destaca que o programa, por estar próximo delas, em áreas de vulnerabilidade, oferece às mulheres uma porta de entrada relevante e toda a articulação da rede de proteção para aquelas que muitas vezes não têm condições ou meios de acessar os equipamentos especializados.
Recomeço
Analista do Mediação de Conflitos do CPC Ribeiro de Abreu, Joice Rios conta que, passados alguns meses da ameaça do hoje ex-companheiro, Cibele* retornou ao território fortalecida: “Ela estava sob risco, mas conseguiu romper um ciclo de violência, e agora é outra pessoa. Percebemos que ela voltou mais consciente, orientada, entendendo a violência, e isso para a gente é uma vitória”.
Cibele* relata que o apoio que recebeu do programa fez toda a diferença para que criasse coragem para denunciar o companheiro e interromper um ciclo de violência que se repetia. “Aquele foi o pior dia da minha vida. Se eu estivesse sozinha na delegacia, acho que teria ido embora”, diz. “Com ajuda, é mais fácil a gente romper. Aprendi que muitas coisas que aconteciam comigo eram violência e eu não sabia, e entendi que não preciso passar por isso nunca mais na vida”.
O trabalho com os agressores
Para além do trabalho de prevenção e enfrentamento à violência realizado com as mulheres, a Subsecretaria de Políticas de Prevenção à Criminalidade da Sesp também atua com os homens agressores. Por meio da Central de Acompanhamento de Penas e Medidas Alternativas (Ceapa), homens processados e julgados por crimes relacionados à Lei Maria da Penha são encaminhados pela Justiça para participar de grupos reflexivos de responsabilização sobre os atos cometidos.
Durante os encontros, várias temáticas são discutidas e experiências trocadas, a fim de que os participantes se reconheçam enquanto autores responsáveis pela violência praticada e possam, assim, modificar seu comportamento. Apenas no ano passado, um total de 956 homens passaram pelo programa, participando das ações de responsabilização.